No domingo, 23 de fevereiro, participei no colégio Santo Agostinho de Belo Horizonte, do encontro dos alunos que se dispuseram, voluntariamente, a fazer neste ano um trabalho solidário, organizado pelo Departamento de Pastoral.
Surpreendeu-me que num domingo de manhã, 230 jovens participassem desta atividade. O colégio oferece diferentes opções: creches, hospitais, obras sociais. Uma pergunta me perseguia: o que faz que jovens de classe media entre 13 e 17 anos se disponham a sair de casa num domingo de manhã, depois de um sábado intenso de aula, para ajudar a quem precisa?
Em torno desse questionamento desenvolvi com eles três ideias:
O jovem precisa de grandes desafios, de grandes ideais
É preciso sonhar, cultivar valores e causas que vão dar sentido à vida. Eduardo Galeano nos lembra que a utopia, sempre inalcançável, serve para isso, para nos fazer caminhar. Os jovens de hoje e de sempre, precisam de referências consistentes, ideais nobres, grandes desafios, viver com intensidade. São os sonhadores, os “Quixotes”, os artistas, os loucos, os revolucionários e os poetas, os que movem a história. Uma verdadeira educação deve despertar nos jovens o desejo de comprometer a vida numa grande causa, viver com intensidade.
Na minha juventude, havia referências maravilhosas, líderes que faziam nossa cabeça: Gandhi, Martin Luther King, Dom Helder Câmara, Irmã Teresa de Calcutá, Ché Guevara, homens e mulheres de uma humanidade extraordinária e de uma generosidade total. Quem faz hoje a cabeça dos jovens?
O trabalho solidário exige um coração solidário
A solidariedade é na sociedade atual a melhor expressão do “amor a Deus e do amor ao próximo”. O contato com a realidade dura e sofrida de milhares de pessoas (doentes, desempregados, dependentes químicos, sem casa). Com sem terra, povos indígenas, moradores de rua ajuda a sair do próprio mundo, muitas vezes fechado, leva a perceber uma realidade desafiadora que muda a consciência e que leva a descobrir que a exclusão tem sempre causas políticas, o que exige um engajamento político, no melhor sentido da palavra.
Só o contato direto com a realidade dos excluídos é que gera práticas novas no combate à exclusão, por parte daqueles que não a vivem. Somar forças, caminhar lado a lado, não se deixar manipular pela mídia, isso só é possível se tomarmos contato próximo com os que vivem na exclusão, seja ela qual for.
Viver com espírito, espiritualidade
Há hoje uma sede profunda de espiritualidade. Mas não é qualquer espiritualidade que serve. Às vezes, como diz o profeta Isaias, para saciar nossa sede de infinito, em vez de bebermos a água pura e cristalina que emana da fonte, nos oferecem a água podre estagnada no lodaçal. Uma espiritualidade verdadeira deve ser integradora: fé e vida; mística e compromisso; oração e militância. Uma fé sem compromisso é alienação; um compromisso sem fé é ideologia.
A verdadeira espiritualidade é sempre libertadora. Como diz o papa Francisco na Evangelii Gaudium, citando Bento XVI, a verdadeira espiritualidade nasce de uma experiência pessoal de encontro, o encontro com a pessoa de Jesus de Nazaré.
Naquele encontro, terminei minha fala com a música de Chico Buarque, “Sonhar mais um sonho impossível”, da obra teatral “ O Homem de La Mancha”:
Sonhar
mais um sonho impossível
lutar
quando é fácil ceder
vencer o inimigo invencível
negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
romper a incabível prisão
voar num limite improvável
tocar o inacessível chão.
É minha lei, é minha questão
virar esse mundo
cravar esse chão
não me importa saber
se é terrível demais
quantas guerras terei que vencer
por um pouco de paz .
E amanhã, se esse chão que eu beijei
for meu leito e perdão
vou saber que valeu delirar
e morrer de paixão.
E assim, seja lá como for
vai ter fim a infinita aflição
e o mundo vai ver uma flor
brotar do impossível chão.
Pe. Paulo Gabriel, OSA
Vigário colaborador na Paróquia Cristo Redentor
Superior Regional do Vicariato Nossa Senhora da Consolação do Brasil